top of page

Contos de Eidell - O Príncipe de Vermelho - Por Sara Ranielle, autora de Guardiões de Eidell.




Era o primeiro Natal após a terrível tragédia no reino, era triste não ter sua mãe por perto para lhe contagiar com aquela alegria que só ela tinha. Do alto do pináculo do Palácio Branco, o príncipe Liam caminhava de braços cruzados e olhar sereno pela sacada ao ar livre. A brisa gélida daquela noite arrepiava seus braços e acariciava seus cabelos que agora batiam na altura do pescoço. Um sorriso lhe escapou ao se lembrar de Estela lhe obrigando a usar a ridícula roupa natalina de cor vermelha, o príncipe odiava roupas vermelhas, mas apenas porque ela pedia, então ele o fazia. Quanta saudade, pensou Liam ao suspirar profundamente soltando todo o ar de seu pulmão. A ferida eterna que nunca iria curar, a cicatriz em seu coração flamejava e naquela época, ainda mais.


O Natal em Eidell celebrava a aliança de Andriel com a humanidade. Ninguém sabia quantos milhares de anos haviam se passado desde então, mas apenas se comemorava neste dia, já que nunca fora escrito. Foi ao cair do primeiro floco de neve, após a promessa de Andriel com Eidell, que Fred Berryann constituiu o Natal. Nesta época os Eidelleanos, usavam roupas de cor laranja e vermelho, representando a cor dos olhos de Andriel e de seu manto característico como Fred mencionara.


— Te achei! — disse Cassie após uma tentativa falha de assustar o príncipe.


Liam olhou por cima do ombro e abriu um sorriso preguiçoso nos lábios, seus olhos cintilaram com o brilho da lua, seus cabelos castanhos caíam sobre a testa. Ele colocou a mão no peito, de maneira teatral.


— Quase funcionou, gatinha.

— Por Andriel, um dia eu consigo assustar você.


Cassie o puxou para si e estalou os lábios nos dele, Liam sorriu e brincou com a ponta do nariz dela depositando beijinhos suaves, em seguida, abraçou-a por trás. Cassie acariciou os braços de Liam que apertavam a sua cintura, sentiu o corpo do príncipe rígido e tenso.


— Você está preocupado. — Ela o encarou nos olhos. — E triste. Me diga, meu Guardião, por que está tenso?

— Eu sinto saudades da minha mãe. — Liam abaixou a cabeça. — Ela amava o Natal e… eu não consigo não pensar nela agora.

— Oh, Liam. — Cassie apertou suas mãos e acariciou seu rosto com um toque gentil.

— É um vazio que não consigo preencher. Pelo Céus, é…


Liam se soltou gentilmente dos braços de Cassie e se apoiou no parapeito enquanto seu coração martelava no peito. Seus olhos se aqueceram com as lágrimas que se formavam neles e o príncipe engoliu a seco o seu choro. Mas Cassie se aproximou dele e lhe apertou a mão, transferindo todo o seu carinho através daquele humilde toque.


— E… ainda tem o meu pai, sabe. Ele não saiu do quarto hoje, precisei atender alguns cidadãos por ele na Sala do Trono. Foi na época do Natal que meu pai encontrou Tallus pelas ruas de Refúgio. — Liam franziu a testa e repuxou os lábios incomodado. — Ele disse que minha mãe ficou tão feliz naquele dia, um presente, foi assim que o chamaram. O presente que arrancou a vida da mulher mais incrível do mundo. — disse entre os dentes. — É duro para o coração fraco do meu pai lidar com isso, entende? Precisamos camuflar nossos sentimentos a todo tempo, parecermos fortes quando na verdade estamos quebrados por dentro, Cassie.


Liam abriu um sorriso triste enquanto seus olhos pairavam vidrados na lua gigante que iluminava o pico das montanhas mais distantes dali e banhava, como água prateada, os telhados das casas e ruas da Capital.


— Nós precisamos, afinal, somos a esperança para este povo, se enxergarem fraqueza em seu Guardião em quem confiarão? — disse Liam, mais para si mesmo.


Cassie ficou na ponta dos pés e tocou os cabelos que caíam pela nuca do príncipe, ele a olhou, os olhos azuis estavam avermelhados e lacrimosos.


— Pode esconder para todos o que sente, alteza, mas não para mim. Eu estou aqui para isso, venha.


Cassie o puxou para si e Liam afundou o rosto na curva de seu pescoço, o perfume dela inundou suas narinas como um remédio para sua alma abalada, seu toque gentil e seguro parecia fortalecer todas as suas células. O príncipe envolveu os braços envolta do corpo frágil e esguio de sua pretendente com paixão, enquanto deixava sua tristeza escapolir pelos seus olhos em finas lágrimas que rolaram pelos longos cabelos negros de Cassie.


— Não precisa esconder quem você é de mim, amor. Você é humano, apesar de poderoso.

— Humano… — Liam sussurrou.


O príncipe abriu um sorriso fraco e acariciou as maçãs rosadas do rosto de Cassie, seus olhos de lavanda brilharam, o conjunto perfeito com seus cabelos que eram como um véu negro que esvoaçava lentamente na brisa gélida do clima Natalino.


— Obrigada, meu amor. O que eu posso fazer? Digo, para ajudar a mim mesmo, aqui dentro? — Liam apontou para o seu peito.

— O que sua mãe sempre fazia no Natal?

— Hm. Meu pai e minha mãe saíam pelas ruas de Eidell em uma bonita carruagem e visitavam amigos e presenteavam o povo, as crianças... sempre foi assim.

— Exatamente, eu me lembro bem. — Cassie sorriu. — O que acha de fazer o mesmo?

— Mas…

— Pode ser bom. E claro, você vai usar a roupa natalina.

— Cassie!

— Vai por mim, não vai ficar tão justa assim… — Ela prendeu o riso.

— Ah, jura? Acho que sou grande demais para caber naquela coisa. — Ironizou sorrindo.

— Eu posso dar um jeito nisso.


Liam apertou os olhos enquanto sorria, aproveitando a sensação tão suave que Cassie o trazia. Se perguntava o quão sortudo era em ter Cassie ao seu lado, ele seria um rei ainda melhor se ela fosse sua rainha, pensava.


— Obrigada por hoje, minha princesa. — sussurrou o príncipe abraçado por Cassie.


***

A manhã de Natal amanheceu fria, o sol fraco no céu lançava seus raios pela neve cristalina que cobria as calçadas e o telhado das casas da Capital de Eidell. O gelo nas folhas das árvores pingava levemente no chão aquecidos pelo fraco calor do sol, o cheiro de grama molhada era maravilhoso e se misturava com o cheiro das hortaliças que eram vendidas nos comércios. A multidão agitada perambulava pela feira, havia crianças correndo e felizes pelos seus presentes, cães se jogavam no chão arrastando as costelas pela neve fria, os comerciantes vendiam o dobro naquela época do ano e as ruas ficavam sempre cheias, fazia parte do clima Natalino em Eidell.


— Eu não acredito. — disse o rei Haylos com um misto de humor e surpresa no tom de voz.


Ele arregalou os olhos ao ver o filho entrar na Sala do Trono vestindo seu antigo traje vermelho para o Natal. Sua risada veio logo em seguida, esganiçada. Daniel acompanhou o amigo e Liam abriu um sorriso forçado. Natan, Nicolas e Maggie também prendiam o riso.


— Pelos Céus! O que raios está fazendo, Liam?

— Eu vou fazer o que a mãe faria nesse Natal e fico feliz que esteja sorrindo, meu pai.

— Mas porque eu não estaria rindo, olhe para você, parece um duende vermelho gigante — Haylos voltou a gargalhar e dessa vez levando Natan e Nicolas em sua risada.

— Engraçadinho.


Em seguida, Cassie entrou na sala, usava um vestido longo perolado que apertava sua cintura, seus cabelos caíam soltos pelos ombros e uma tiara de rosas brancas descansava em sua cabeça. Ela carregava nas mãos uma túnica vermelho-escuro como vinho e a lançou sobre os ombros do príncipe. Liam abriu um sorriso em agradecimento, e Yllena finalizou o seu visual com um chapéu sobre a cabeça dele.


— Agora está melhor. — concluiu ela.


O rei se levantou, caminhou em direção ao filho e levou uma mão ao seu ombro.


— O que raios você vai fazer?

— Nós vamos alegrar as ruas de Eidell, todas as províncias, vilas e vilarejos mais distantes, eu quero passar em todos os lugares e dizer ao meu povo o quanto sou grato por eles e… o quanto importam para mim. Prometo voltar de noite antes do jantar para lhe acompanhar na tradição.


O sorriso nos lábios do rei se desmanchou, seus olhos se encheram de lágrimas quando lampejos de dias distantes percorreram sua mente. Estela, sua amada rainha.


— Era o que eu e sua mãe fazíamos.

— Então venha comigo, meu pai. — Liam tocou os ombros do pai e o sacudiu de leve. — A mãe ficaria feliz, é o que ela queria que você fizesse, seguisse em frente! Ela vai sorrir para você lá do alto, orgulhosa de que ainda cumpriremos o que ela mais amava fazer, alegrar seu povo. O nosso povo.

— Eu nunca… — Haylos deu as costas para o filho e caminhou até uma janela aberta, encarou o horizonte por alguns segundos em silêncio que pareceu demorar longos minutos. — Eu nunca senti tanto orgulho — O rei encarou Liam nos olhos novamente —, de ser chamado seu pai, Liam.


O príncipe abriu um sorriso emocionado. Com o chapéu na cabeça, a túnica vermelha sobre os ombros, as vestes de couro vermelho justas no corpo musculoso e o par de botas escuras o faziam parecer um comerciante ambulante em busca de ouro, mas apesar de tudo, e até das risadas de seus amigos, era o que Liam desejava fazer.


O príncipe montou sua égua baia aruana e junto de seu pai, Cassie, os amigos e membros de sua guarda saíram pelos portões do Palácio Branco naquela manhã. Carruagens o acompanhavam repletas de presentes dos mais variados tipos: roupas, tecidos, jóias, jarros de porcelana, até utensílios de prata, além de muitos brinquedos criados com variadas cores entalhados em madeira maciça da melhor qualidade.


O príncipe de vermelho cavalgava na frente guiando sua comitiva que festejava alegremente, a multidão logo se juntou a eles. Liam desmontou do cavalo e se aproximou do povo. Eram abraços, palavras calorosas, e muita entrega de presentes. As ruas da Capital nunca estiveram tão cheias de sorrisos. Haylos a muito tempo não se sentia tão bem, fazer o que sua amada adorava fazer fora especial de alguma forma. Os amigos do príncipe visitavam pessoas e deixavam presentes, Liam, Cassie e o rei caminhavam pela rua principal enquanto a multidão os seguiam.


— Olha, mamãe! É o príncipe e a princesa, Cassie! — disse uma garotinha eufórica.


A pequena menina correu até Cassie e a abraçou sorridente, ela pegou a menina no colo e sorriu.


— Olá! — disse Cassie.

— Uau, olha os seus olhos! Parecem balinhas doces. — A garotinha gesticulava com as mãos e dava gritinhos.

— Os seus olhos também são muito bonitos. — disse Cassie.

— Olha só, o que temos aqui? — Liam abriu um sorriso para a menina.

— Liam! — a menina agarrou os cabelos do príncipe, ele fez uma careta que arrancou mais risos dela.

— Ah, que risada maravilhosa. E o que você vai achar disso?


Liam tirou de dentro da caixa de brinquedos um globo de neve de vidro que piscavam luzinhas, como vagalumes coloridos, em seu interior. A menina arquejou surpresa e agarrou o presente, seus olhos negros brilhavam e seu sorriso quase não cabia nos lábios.


— Obrigada, alteza!

— A seu dispor, senhorita. — brincou.

— Então eu quero o seu chapéu. — A menina gargalhou.

— Ah, não. Isso é golpe baixo. — Liam pegou o chapéu e fez um gesto pra lá de dramático. — Eu preciso dele.

— Permissão concedida. — pronunciou a garota de modo teatral. Cassie gargalhou.

— Espertinha.


A menina saltou dos braços de Cassie e voltou para sua mãe saltitante. Liam e Cassie deram as mãos e continuaram a caminhada festiva pela Capital. Após boas horas, partiram para as províncias vizinhas. Ayfa estava repleta de enfeites por todos os lados, haviam faixas e lamparinas pelas ruas, em frente as casas havia guirlandas feitas com galhos e folhas de pinheiros brancos e tecidos coloridos pelos telhados e janelas. Os cidadãos ficaram animados com a chegada de Cassie e a comitiva do príncipe, ela passou um tempo pelas ruas com seu povo antes de visitar o pai na mansão dos Avallen. Em seguida seguiram para a cidade de Elliah, onde visitaram e presentearam a governadora Nara Mir. Na cidade de Refúgio ficaram até de tarde, o governador Laycoros Rajam também saiu pelas ruas da cidade festejando com o rei, o príncipe e a comitiva real.


No final da tarde, o príncipe de vermelho e sua comitiva festejante visitaram as vilas e os vilarejos vizinhos e a alegria foi ainda maior. Por ser mais distante da Capital, os moradores dos vilarejos quase não viam o rei e a família real, então era sempre contagiante estar tão próximos de pessoas simples e Liam adorava deixar de lado as formalidades, podia sorrir abertamente, fazer gracinhas e se comportar como um rapaz comum ao mesmo tempo que se lembrava de quão importante era sua missão em proteger aquelas pessoas, cada sorriso, e cada vida. No final de tudo, sentiu o vazio no peito ser preenchido, como uma taça vazia que ao despejar do vinho, torna-se atrativa, transbordante. Estela, sua mãe, estava feliz, pois Liam sentia em sua alma a energia fluindo levemente como uma brisa no verão. Seu pai estava radiante porque, naquele dia, deixou o passado para trás.


— Foi um dia como nunca, alteza. — disse Natan sorrindo ao lado de Liam enquanto caminhavam de volta ao Palácio Branco.


A noite já preenchia os céus da maneira mais bela e natalina, as várias estrelas piscavam, brilhantes como nunca e a lua, tão grande e ardente como o sol, iluminava a Capital e suas ruas cobertas de neve e gelo. Liam tinha o braço sobre os ombros de Cassie, eles caminhavam lado a lado ouvindo em silêncio a conversa dos amigos que os acompanhavam.


— É, foi mágico! — Yllena exclamou exultante. Natan a puxou para um abraço apertado e carinhoso, a moça corou quando ele beijou seus lábios rapidamente.

— Muito mágico. — Natan brincou. — Agora vamos para a melhor parte!

— Comer! — disse Nicolas depois de lançar uma bola de neve na irmã, Maggie.


Ela desviou e a bola de neve acabou atingindo a nuca de Natan. O loiro se agachou e encheu as mãos com uma bola gigante e gelada e atingiu o rosto do garoto Nicolas que ficou vermelho.


— Esfomeado. — Maggie riu.

— Em partes concordo. — Cassie soltou um fraco sorriso. — Eu estou faminta.

— Então vamos alimentar a futura princesa de Eidell, meu povo!


Liam a agarrou pela cintura e encheu seu pescoço de beijos, Cassie sorria sentindo cócegas, o príncipe a pegou no colo de repente fazendo ela soltar um gritinho fino. Em seguida, a colocou sobre sua égua e ambos partiram na frente até chegarem no Palácio Branco.


***


No salão das refeições, a mesa extensa e retangular estava posta com a maior variedade de comidas e sobremesas, havia carne assada, peixe, vinho e néctar, sucos, frutas, bolos diversos. O sorriso de Nicolas e Natan estava gigante enquanto saboreavam a comida com os olhos. Todos se sentaram à mesa e esperaram o discurso do rei para finalizar a tradição Natalina.


Haylos se pôs de pé e soltou um suspiro profundo, olhou nos olhos de seus amigos e abriu um fraco sorriso. Então disse:


— A tradição diz que o rei finaliza o Natal com seu familiarizado discurso, mas hoje… não poderei fazer isso quando quem merece fazê-lo está sentado ao meu lado. — O rei olhou para Liam.

— Pai…

— Foi você quem teve a ideia, essa que eu já havia cogitado enterrar junto com minhas dores. — Haylos tocou o ombro do filho e o colocou de pé ao seu lado. — Eidelleanos, escutem o nosso príncipe agora. Obrigado, filho.


Liam abriu um sorriso e abraçou o pai fortemente. Haylos se sentou e o príncipe se viu frente a mesa gigante, os olhos curiosos esperando pelo discurso mais importante do ano. Seus olhos cruzaram com os de Cassie, a sábia sorriu radiante, aquele sorriso belo e largo que lhe despertava o sentimento de que precisava no momento: coragem.


— Bom… é uma honra estar no lugar do meu pai. Nós sabemos que o Natal é especial para Eidell, comemoramos uma aliança a qual somos eternamente gratos, aquela que deu vida aos nossos antepassados e dará aos nossos filhos. É por ela que acordamos todos os dias e lutamos contra bestas-feras, feiticeiros e demônios. A promessa que uniu um povo, a humanidade ao seu Guardião. Quando comemoramos o Natal estamos agradecendo a Andriel por tudo. Quando comemoramos o Natal estamos dizendo a Agnas que merecemos ser salvos! — disse firme, suas sobrancelhas se juntaram e seus lábios formaram uma curva no canto dos lábios — O Natal é alegre porque não lhe cabe tristeza, pois sua raiz é a felicidade de uma nação perdida. O Natal une famílias, não só de sangue, mas amigos. É levar a alegria que vive dentro de nós para aqueles que pensaram que ela nunca viria. É dar o maior bem que temos para os que não possuem nada, porque um rei ama o seu povo, e quando se ama não tira, mas doa-se. — Liam abriu um sorriso. — Os Berryann são a ponte protetora que representa seu Guardião na terra. Não tenham medo, vivam. Estamos aqui por vocês e apenas isso. Sorriem, gritem, se joguem nos campos e deixe que matemos os monstros.


Liam pegou uma taça de vinho e suspirou profundamente, observou brevemente as pessoas sentadas à mesa, alguns emocionados, outros com sorriso no rosto.


— O próximo ano será melhor, não deixaremos que o passado nos vença com seus medos, ou com nossas falhas, mas celebraremos o dia de hoje e muitos outros como esse. Feliz Natal.

— Feliz Natal!


E brindaram todos.




FIM



A autora:

Esse conto é um presente para todos que já leram e para quem ainda pretende ler o primeiro livro da autora: Os Guardiões de Eidell - A Promessa, o príncipe e a maldição.




Até a próxima!


24 visualizações0 comentário
bottom of page